A Irmandade das Almas do Purgatório foi canonicamente erecta na Igreja Matriz da vila de Grândola, sendo a confirmação do seu compromisso datada de 4 de Dezembro de 1636.
O compromisso da Irmandade descreve o seu processo de criação:
- Dezembro de 1635: um grupo formado por 20 fregueses da Matriz de Grândola reuniu-se com o Prior e “mouidos por zelo christão e bom exemplo das samctas Jirmandades, instetuidas em algumas Igreias de nobres e exemplares cidades e uillas, destes Reynos” decidiram a instituição da Irmandade;
- 3 de Outubro de 1636: a Mesa da Consciência e Ordens solicitou parecer sobre o compromisso ao procurador-geral das Ordens Militares;
- 23 de Novembro de 1636: o procurador-geral emitiu parecer favorável relativamente ao compromisso;
- 28 de Novembro de 1636: na sequência do parecer mencionado, a Mesa da Consciência e Ordens mandou passar provisão de erecção;
- 29 de Novembro de 1636: por Alvará Régio (Chancelaria da Ordem de Santiago, livro n.º14, fl. 179), Filipe III de Portugal concedeu licença para a instituição da Irmandade, determinando a obrigatoriedade de obtenção de permissão para a sua erecção por parte dos visitadores da Ordem de Santiago e do Prior da Matriz, além da confirmação do compromisso pela Mesa da Consciência e Ordens, que deveria ser solicitada no período de três meses subsequentes à licença régia;
- 4 de Dezembro de 1636: Filipe III confirmou o compromisso através dos deputados do despacho da Mesa da Consciência e Ordens.
A Irmandade foi instituída “para seruiço de deos, e proueito di nossas almas, sufrágio e consolação das almas do purgatório”. O compromisso primitivo estabelecia a festa e ofício no dia 28 de Outubro (dia dos bem aventurados, São Simão e São Judas), realizando-se, no dia antecedente, um ofício de “noue lições de defuntos com suas uesperas cantadas, ao dia, o comprimento do dito officio, com sua missa cantada”. Os mordomos e oficiais eram responsáveis pelo fabrico de uma essa alta para o saimento da Irmandade, que seria colocada no centro da Igreja Matriz, na véspera do dia principal. Dever-se-ia cobri-la de preto e aí arderia cera nas vésperas e no próprio dia da festa. Se os responsáveis pela sua construção fossem negligentes, pagariam cem réis para sufrágio das almas do purgatório.
Para além das missas que se viessem a celebrar, estabeleceu-se a obrigatoriedade de celebração de uma missa cantada de requiem, todas as Segundas-feiras. Nesta, deveriam servir os mordomos e oficiais e no centro da Igreja encontrar-se-ia uma essa de dimensão reduzida, na qual seria colocada uma cruz e onde arderiam quatro círios. Na nave rezar-se-ia um responso cantado pelas almas do fogo do purgatório e no fim deste, saia-se em procissão, dizendo-se dois responsos pelas portas da Igreja, do lado exterior. Os irmãos presentes deveriam rezar cinco pais-nosso e cinco avé-marias pelas almas do purgatório.
A Irmandade poderia ser composta por 60 irmãos, que deveriam ser “pessoas desocupadas, para que milhor possão comprir, suas obigações”. Proibia-se que os irmãos eleitos para mordomos ou oficiais desta Irmandade, o fossem noutra. Apenas poderiam ser aceites aqueles que fossem considerados pessoas de boa vida, de bons costumes e tementes a Deus. Permitia-se a admissão, em igualdade de circunstâncias, a homens e mulheres.
A entrada na Irmandade realizava-se por entrega de petição à Mesa, pagando-se 300 réis pelo ingresso e, posteriormente, pagando-se cada ano a quantia de 50 réis, enquanto o irmão vivesse. Cada irmão deveria ainda oferecer de esmola, anualmente, a quantia de 10 réis ou, se assim o desejasse, um valor superior.
No que respeita à admissão de confrades, eram aceites indivíduos de ambos os sexos, dando estes de esmola 10 réis. A entrada de confrades era assente em livro próprio.
Os irmãos tinham por obrigação acompanhar o féretro dos irmãos falecidos, de suas esposas e filhos maiores de 12 anos, envergando as suas vestes e transportando velas e cruz. O juiz, ou o escrivão, ostentaria a vara, desde a sua casa até à Igreja onde o defunto era sepultado. Cada irmão rezaria cinco pais-nosso e cinco avé-marias. Nesse dia, ou no dia seguinte, o mordomo mandava celebrar uma missa cantada de exéquias, a expensas da Irmandade. Se por sua incúria tal não sucedesse, este deveria mandar rezá-la à sua custa.
A eleição dos oficiais da Irmandade tinha lugar no Domingo anterior ao dia de São Simão e de São Judas. Reuniam-se os irmãos, com o Padre capelão e o escrivão, procedendo à eleição e dando juramento aos eleitos. O mais votado ocuparia o lugar de juiz, o qual assegurava o cumprimento do compromisso. O escrivão procedia aos averbamentos no livro dos termos das eleições, assinados pelos oficiais novos e pelos anteriores.
Aqueles que não aceitassem a eleição pagariam cinco arratéis de cera para a Irmandade.
Comemoravam-se quatro festas anualmente e todos tinham obrigação de confissão e de comunhão pela Quaresma, pela festa do Espírito Santo, de Nossa Senhora de Agosto e pelo Natal. Caso não o fizessem, pagavam 100 réis à Irmandade. Os oficiais mandariam dizer, anualmente, uma missa rezada por todos os irmãos defuntos no “oitauario dos santos”.
A festa principal da Irmandade realizava-se no dia de São Simão e São Judas, em cuja véspera se efectuava um ofício de nove lições de defuntos com suas vésperas (oração da liturgia das horas) cantadas. No dia cumpria-se o ofício com missa cantada, assistida por um diácono, um subdiácono e com pregação.
No dia anterior ao dia principal do saimento, os mordomos e os oficiais encontravam-se incumbidos de preparar uma essa alta no centro da Igreja, coberta de preto e cercada da cera necessária.
Durante o ano rezavam-se missas todas as Segundas-feiras do ano e, pelo menos, uma vez por ano dizia-se uma missa cantada de requiem com sua ladainha. Os mordomos e os oficiais serviriam nessa ocasião com as suas vestes e no centro da Igreja existiria uma essa pequena com uma cruz, na qual arderiam 4 sírios com 2 tochas. Seguidamente, realizar-se-ia uma procissão com os seus responsos.
O alvará de confirmação, de Dezembro de 1636, determinou que as eleições se fizessem em presença do prior da Igreja e caso a irmandade tivesse capelão, este teria de ser freire da ordem de Santiago. Não existindo freire, este poderia ser clérigo do hábito de São Pedro.
As irmandades não se encontravam sob alçada da Igreja onde estavam erectas, mas sim da Ordem de Santiago.
De entre os seus bens destacavam-se um pano de damasco preto, avaliado em cerca de 100.000 réis, e um conjunto de castiçais. O pano teria sido mandado fazer para servir somente no dia da festa das almas. Qualquer pessoa, alheia à Irmandade, que se quisesse servir dele e dos castiçais teria que pagar à irmandade 2000 réis, independentemente da sua proveniência social. Os irmãos pagavam 500 réis.
Os castiçais iam com o pano e podiam emprestar-se a outra irmandade sem custos.
Na sequência da Lei da Separação da Igreja do Estado, de 20 de Abril de 1911, os estatutos da Irmandade foram reformados e aprovados em Assembleia Geral de 26 de Dezembro de 1911. Analisados estes verifica-se que a Irmandade preconizava, como fins, a manutenção do culto católico na vila de Grândola, ao qual destinava parte dos seus rendimentos (que não poderia ultrapassar 1/3 da sua receita) e a contribuição para a assistência, a beneficência e a instrução primária na vila. No que respeita ao património, possuía uma capela, com altar e imagem, sita na Igreja Matriz de Grândola, diversos foros e 5.100.000 réis, resultantes da venda de propriedades que lhes foram vendidas em virtude da Lei da Desamortização. Nesta irmandade, os irmãos poderiam ser indivíduos de ambos os sexos, desde que maiores de 21 anos, e detentores de um correcto “procedimento moral”. Não eram aceites aqueles que tivessem pertencido às ordens ou congregações religiosas, declaradas extintas pelo Decreto de 8 de Outubro de 1910, bem como os que pertencessem a instituições da mesma natureza, sob pena da extinção da Irmandade, da transição dos seus bens para a posse do Estado e da aplicação das sanções previstas no artigo 140.º do Código Penal e outras penalidades aplicáveis, pelos Decretos de 8 de Outubro e 31 de Dezembro de 1910, aos referidos indivíduos, aos membros da Mesa e a quaisquer outros responsáveis pela infracção. À excepção dos irmãos existentes antes da data da reforma dos estatutos da Irmandade, todos deveriam pagar uma quota mensal, estipulada no acto da requisição da sua admissão. Todos estavam obrigados a servir gratuitamente os cargos para os quais eram eleitos não permanecendo, porém, obrigados a servir dois anos consecutivos. A exclusão dos irmãos poderia suceder quando existisse delapidação do património da Irmandade; quando estes não informassem a sua administração dos assuntos da mesma; quando adoptassem comportamentos morais ou civis considerados incorrectos e quando os que, sem motivo justificado, se recusassem a servir o cargo para o qual haviam sido eleitos. A exclusão era realizada mediante proposta da Mesa ou por três irmãos, dirigida à Assembleia Geral, sendo que só esta a podia decretar.